Los Hermanos e a velha discussão sobre MPB

Com o aparecimento da bossa-nova de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto e, um pouco depois,  com o surgimento da jovem guarda de Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléia, houve uma cisão na música popular brasileira. A partir daí, o fundo de toda discussão sobre música brasileira seria se tal canção tinha mais ou menos poesia, se era mais ou menos apelativa para as massas, se continha requinte na composição ou se era simples e superficial. Não é difícil, ainda hoje, você se pegar defendendo um dos lados em uma discussão que tem 50 anos. Em alguns casos, como o meu, por exemplo, você pode se pegar trocando de lado de uma hora para outra.

Eu odiava Los Hermanos. Eu nunca havia ouvido Los Hermanos. Eu odiava mesmo os fãs de Los Hermanos, porque eles são fundamentalistas como os fãs de Geraldo Vandré, e eu não ia perder tempo ouvindo algo que eu considerava uma besteira, uma atitude exótica e pós-utópica de jovens aspirantes a intelectuais como eu. Todas as pessoas que eu julgo inteligentes gostavam deles, mas eu resistia bravamente, afirmando que era uma música desnecessariamente hermética, incompreensível. Mas aos poucos eu fui ouvindo, e fui simpatizando, música atrás de música,  com eles. Aos poucos, já me sentia mais seguro para emitir opiniões como “Marcelo Camelo é melhor compositor que Rodrigo Amarante”, revelando, aqui, a velha discussão “poesia bossa nova versus atitude rock”. Tudo sempre volta ao mesmo ponto, desde os festivais.

Quem é mais alienado, Camelo ou Amarante? Quem compõe melhor? Por que eles têm fãs que os seguem feito uma seita, uma religião? São perguntas que me faço, cabisbaixo com meus fones de ouvido. Eu pensava nos festivais, na bossa nova, no Chico Buarque, na jovem guarda, na pilantragem de Wilson Simonal, no samba rock do Jorge Ben, na Tropicália, no rock dos anos 80 e depois vinha aquele vazio. Eram muitos os caminhos para sonho nenhum. E eu pensava que já era hora de sair da análise formal das canções e voltar a pensar em velhos dilemas, porque a obra dos LH não passará incólume na história da música popular brasileira; até um ranzinza como eu já havia percebido isso.

A resposta era clara, mas a dificuldade de compreendê-la é porque não voltamos os olhos para os antigos dilemas. Ora, se a música brasileira foi rachando à medida que a História foi rachando, era óbvio que o entendimento da história de nossa música popular baseava-se em um mundo bipolar, dicotômico, extremista. Nossa visão sobre a produção artística ainda é o “alienado” versus “engajado”, o “poético” versus “popular”, termos antigos que atrapalham em certas aplicações. Por exemplo: é inviável considerar LH uma banda alternativa por estar fora dos tentáculos das gravadoras, porque você desconsidera que há discussões amplas sobre a obra. Quando alguém é alternativo ninguém comenta nada. O artista é alternativo. Ponto. E Los Hermanos é uma unanimidade, pelo menos nas classes A B, e mais entre os jovens, assim como um velho garoto de olhos azuis, autor de “A banda”, e lá se vão 40 anos. Por isso, só podemos compreender a breve mas impactante obra dos Hermanos se fecharmos  alguns dilemas ideológicos do século XX. Porque eles têm a poesia e o requinte do Chico Buarque, a delicadeza e o falar baixo de João Gilberto, a energia explosiva da jovem guarda, o espírito carioca e malandreado de Simonal, o flerte do rock com o samba de Jorge Ben, as letras nonsenses da Tropicália e o despojamento do rock brasileiro dos anos 1980. São pós-tudo porque beberam em todos. Há várias maneiras de se fazer MPB e eles preferiram todas elas.

De alguma maneira, conseguiram reunir a complexidade de uma geração que não soube que sonhos deveriam ser abraçados e que, portanto, não abraçaram nenhum. Ao menos, nenhum sonho do seu tempo. Os jovens de esquerda, liberais, cultos, o adoram. Os mais fechados e conservadores o respeitam. Não importa: eles foram a trilha sonora de uma história sem fatos. Há muito amor por aí na gente de vinte e poucos anos e a sensação é a de que esse amor só foi dado sob as músicas dos LH. Agradeçam aos barbudos não ter sido uma década tão em vão assim…