Crônica de Aniversário

Tenho 22 anos agora. E sinto saudades de muita coisa. Sei que muito há de vir por aí, mas o que passou já dá sinais de doer. Tenho saudades das pentelhações do Williham Westphall, que gostava de me dar os beijos na bochecha que eu odiava, do Ricardo Seffrin provando que conseguia prender o controle-remoto com os pés depois de alguém tacá-lo no ar. Gênio. Pé tamanho 44, sei lá, algo assim. Saudades da D. Rita Seffrin fazendo o melhor macarrão-ressaca para recarregarmos as energias depois de uma sexta-feira consumida por excessos, de comprar cigarros marca Sampouerna ou Black a menos de cinco reais. Saudade de jogar Perfil e perder por estar muito bêbado para lembrar das informações. De ir de bicicleta pelas ruas de Botafogo atrás de uma garrafa barata de 51 para fazer caipirinha azeda e tomá-la até vomitar; e entupir o encanamento do Williham. Saudades da Copa de 2006, dos carnavais em Santa Teresa, dos pé-sujos que a gente encontrava até no Leblon.

Uma vez perguntei ao Gustavo Seffrin se Estorvo, livro do Chico Buarque, era bom. Ele disse: “Sim, é muito bom.” Perguntei: “Já leu?”. E ele: “não!” “Então como você sabe se é bom?” Gustavo ficou calado… Dois minutos depois eu volto, e ele pergunta: “Chocolate belga é bom?”. E eu: “claro, é muito bom”. Ele: “já comeu?”. E eu: “não!”. E ele: “Viu? É a mesma coisa…” Era mais ou menos assim que conversávamos sobre mulheres. Por termos o mesmo gosto estético em relação a elas, nos apaixonamos pelas mesmas em momentos diferentes da vida. Mas essa é outra história…

Saudades de implorar ao Gustavo para que ele tomasse banho depois da praia, e dele dizendo para a Larissa Veiga que o peido dele não era azedo, mas agridoce, com a naturalidade dos que têm razão. Saudades do Leonardo Medeiros dizendo que as palavras que ele mais odeia são “mezanino” e outra da qual não me lembro, daí fazíamos de tudo para encaixar tais palavras em frases. Algo sem graça hoje, mas divertidíssimo ontem.

Creio que foi no carnaval de 2006 que quebramos a garrafa de vodca na minha mochila. Tínhamos que atravessar a Álvaro Ramos do prédio do Ricardo até à vila do Willy e chovia torrencialmente. Colocamos a garrafa na minha mochila para corrermos. Corremos. Quando chegamos à casa do Willy, totalmente encharcados, tive a lamentável ideia de pedir para que a Maria Eduarda Serpa guardasse a mochila com a vodca, ao que ela a tacou longe, quebrando a garrafa e rasgando todo o tecido. Quanto mais eu ficava puto por sua burrice, mais ela falava “foda-se” para me irritar. Dizia: “eu quero é que se foda, eu quero é que essa mochila se foda!” Todos riam. Vontade de esnagá-la e esconder o corpo. No dia seguinte minha mochila continuava fedendo a álcool. Somos amigos, eu e Duda, até hoje.

Saudade dos esporros monumentais que levávamos do Chico Seffrin, mais conhecido como Chico Chicote, ou Poderoso Chefão, como queiram, porque o Gustavo sempre sentiu prazer em escolher o caminho mais difícil;  a saber, sempre o errado. Íamos para a masmorra com ele. Era tenso, mas divertido. Perdemos metade de um carnaval assim. Não importa, perderíamos outros por um motivo ou por outro: naquele estávamos todos juntos, uns dez ou quinze. Tínhamos um dom que perdemos: ver oportunidade para a diversão onde não havia.

Saudade do reveillón de 2005/2006. Fui mijar à beira da água de Ipanema, perdi uma havaiana, entreguei a outra para Iemanjá e curti uma rave inteira descalço, virado, sem tomar um comprimido sequer, juro. Lá pelas três da manhã eu não era ninguém, mas continuei indelével até o dia seguinte. Lembro do Williham falando: “Você é um méarda de méarda, perdeu o chinelo! Hahahahaha!” – Todos riam, todos riam. A certa altura, foi ele quem perdeu o chinelo, na areia. Pertubei-o como se não houvesse amanhã.

Gustavo agora mora a poucas quadras de mim, aqui no Engenho de Dentro, mas certamente nos veremos pouco. No antigo apartamento no qual ele morava, na rua Venâncio Flores, palco de tantas festas, tantas histórias, seu pai guardava um livro que eu costumava ler sempre. Era o Vivir para contarla, a autobiografia de Gabriel García Márquez. Nunca me esquecerei da epígrafe do livro, do próprio autor, que dizia: La vida no es la que uno vivió, sino la que recuerda y cómo la recuerda para contarla. Ou, como na tradução: A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.

Feliz aniversário, Guilherme!