Amy Winehouse, minha vaca profana

Darling,

Eu estava curando uma ressaca, sem saber discernir o que era realidade e o que era sonho, quando minha mãe me acordou e disse que você tinha sido encontrada morta. Na hora foi esquisito, foi como se quem tivesse morrido fosse eu mesmo. Às vezes a gente exagera, meu amor, eu sei, eu não estou chateado.

Posso me lembrar exatamente da primeira vez que ouvi você cantar. Ouvi “Rehab” e não gostei, pois tenho esse péssimo defeito de dizer que não gosto o que não entendo, como quem odeia para depois amar, como quem desmerece para ser arrebatado. Eu passei a te amar muito desde então, e te ouvia sempre. Você caminhava comigo, andava de ônibus comigo, tomava banho comigo e era lindo, eu quase cantava como você. 

Os caretas não sabem o que é o exagero. Eles odeiam o exagero. E quanto mais a gente ficava careta, mais a gente te odiava, e te entendia cada vez menos. Você escolheu uma década péssima para lançar “o álbum da década”. Uma década muito asséptica, muito desalmada para você, para a sua música, para as suas viagens. Você nasceu muito tarde e morreu muito cedo. Por isso foi tão ruim amar você, e te desejar, e a querer, da forma mais paternalista e imbecil, que você se salvasse. Mas você não saiu dessa bad, foi muito longe nessa trip, e a coisa acabou assim, sem mais nem menos, você me largando no meio da noite e deixando um cinzeiro cheio, uma garrafa vazia e um bilhete escrito: “às vezes a gente exagera, meu amor, e eu tô indo embora, não aguento mais exagerar.”

Fico agora pensando na canção do Caetano, “Vaca profana”, não só porque ele fala de tetas e eu achava lindo o seu decote novo, mas porque o poeta disse: “Dona das divinas tetas, derrama o leite bom na minha cara, e o leite mau na cara dos caretas.” E ele segue: “mas eu também sei ser careta; de perto, ninguém é normal.” É muito difícil ser uma coisa só. É muito difícil estar aí. Eu te achava linda, mesmo você querendo se tornar cada dia mais esquisita, mas era bom porque fora das drogas você tinha um humor ótimo, gostava do bom sexo, gostava das cantoras que eu gostava, enfim, cumprimos o trato do friends with benefits sem grandes percalços. Você me chamava de “garoto”, “baby” e era divertido. Você dizia que morreria aos 27 anos, como Morrison, Hendrix, Joplin, Jones e Cobain, e eu dizia: “Nada, darling, você vai ter que ir pegar aqueles prêmios honorários chatíssimos do Grammy, aquela gente chata engravatada.” Mas você se foi aos 27.

Você vai fazer falta. Hoje vi uma ninfomaníaca se autoproclamando “careta” e insinuando que você já vai tarde. Vi boêmios de primeira linha falando que artistas são burros, porque usam drogas. Mas eu sei, meu amor, eu sei o que é beber para se desligar, e é uma pena você ter partido para carreiras, pedras, ampolas e tudo mais. Mas eu te amo mesmo assim. Felizes somos, os imperfeitos.

Vou guardar o seu disco, o seu DVD, o meu ingresso de quando você veio nos ver no Rio, e o bilhete que você me deixou.  Eu vou ouvir você tocar muito nas rádios durante essa semana e será sempre muito difícil. E vou tomar um porre por você hoje, e ficar pensando como minha vida seria se tivéssemos continuado juntos. Eu vou sentir sua falta, mas vai passar. E fique tranquila, não vou te substituir pela Joss Stone, ao menos não essa semana. A gente se vê, meu amor, a gente vai se encontrar por aí. Eu te encontrarei e te amarei nas suas músicas, como sempre foi. Às vezes a gente exagera, meu amor, acontece.

Eu amo você assim, como você era.

Um beijo! Até!